domingo, 20 de março de 2011

Primeiras observações sobre o novo divórcio

Se o chamado "divórcio expresso", como ficou conhecido o divórcio espanhol, somente é possível se o casal tiver contraído matrimônio há pelo menos três meses, parece razoável chamar o brasileiro, que não exige tempo nenhum de casado, de "divórcio a jato".

Afinal, graças à Emenda Constitucional nº. 66/2010 de 14/07/2010, desapareceram a Separação (a Judicial e a extrajudicial) e a exigência de tempo mínimo de casamento de Separação de Fato para requerer divórcio. Pode-se casar hoje e se divorciar amanhã.
Em Portugal, sendo consensual o divórcio, pode ser realizado extrajudicialmente e pela internet, com um custo de apenas 125 euros.
A primeira observação a ser feita sobre o novo divórcio brasileiro é a de que, com base na análise das exposições de motivo dos projetos de emenda constitucional que resultaram na redação atual do art. 226 da Constituição Federal, considero que o instituto da Separação (Judicial e Extrajudicial) deixou de existir no ordenamento jurídico brasileiro.
Acompanho, assim, o entendimento dos juristas Zeno Veloso, Paulo Luiz Netto Lobo, Maria Berenice dias e Rodrigo da Cunha Pereira, membros do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Comunga desta conclusão, o jurista Silvio de Salvo Venosa.
Como conseqüência processual desta tese, defendo que Ação de Separação proposta após 14/07/2010 não deverá ter seu mérito apreciado, sendo caso de carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido.
É possível, todavia, apreciação do mérito de Ação de Divórcio Indireto, vale dizer, ação cujo pedido é a conversão da separação judicial em divórcio. Aliás, a manutenção da possibilidade de divórcio por conversão das separações realizadas antes da entrada em vigor da Emenda nº. 66/2010 é benéfica à mulher separada, pois permanece viva a regra do art. 100, I, do código de processo civil: ação de conversão deve ser proposta no foro da residência da mulher.

Conforme o plenário do Supremo Tribunal Federal decidira em 2007, o único requisito para a decretação do Divórcio era o prazo de dois anos de separação de fato ou de um ano corrido a partir do trânsito em julgado da sentença que decretara a separação judicial ou da concessão da medida cautelar de separação de corpos (art. 1.580 do Código Civil). Desse modo, segundo o STF, nem mesmo o inadimplemento da obrigação alimentar assumida na Separação poderia impedir o Divórcio, se já cumprido o lapso temporal.
Segundo essa decisão, o divórcio poderia ser concedido pelo Judiciário ainda que não fossem no mesmo processo definidas a situação da guarda dos filhos e do direito de visita, embora o melhor fosse definir todos esses pontos na Ação de Divórcio, evitando a perpetuação de demandas, o que traz graves prejuízos ao casal e aos filhos menores.
Ora, considerando que a Emenda nº. 66/2010 extinguiu a exigência de tempo mínimo de separação, e só havia este requisito, então é imperativo concluir que os nubentes podem se casar hoje e se divorciarem amanhã.
Se um dos cônjuges não concordar com o divórcio ou se não for possível localizá-lo por estar em local incerto e não sabido, hipótese bem comum, o interessado terá que ajuizar uma Ação de Divórcio Litigioso, pois o procedimento em cartório (extrajudicial) exige consenso, ou seja, tem que haver acordo entre o casal. Além disso, o divórcio, ainda que consensual, terá que ser judicial se o casal possuir filhos menores ou maiores incapazes.
Ajuizada a Ação de Divórcio Litigioso, ela é incontestável, salvo defesa meramente processual, pois divorciar-se é direito potestativo incondicionado do cônjuge; o réu não pode resistir ao pedido de Divórcio e o juiz tem que decretar o fim da sociedade conjugal e do casamento (vínculo conjugal), atendendo à pretensão do autor da ação.
Nada mudou em relação à divisão do patrimônio do casal, ou seja, o divórcio pode ser decretado sem que haja prévia partilha de bens. Desse modo, é possível propor uma Ação de Divórcio (litigioso ou consensual) apenas para extinguir o vínculo conjugal, deixando a questão dos bens para ser discutida depois. Portanto, mantida a regra do art. 1.581 do código civil.
Sobre este ponto, há controvérsia na jurisprudência sobre a competência da ação de partilha de bens de divorciado; se da Vara de Família ou se da Vara Cível comum, já que, neste último caso, a partilha na verdade teria natureza jurídica de divisão de condomínio, uma vez que não existe mais vínculo conjugal. Defendo que, em regra, a competência seja da Vara de Família, especialmente se houver litígio, pois pode surgir dúvida envolvendo matéria relativa a regime de bens, assunto que deve ser apreciado por jurista especializado, que é precisamente o juiz da vara de família.
Quanto à competência territorial para decidir a partilha, se o divórcio tiver sido decretado em uma cidade e o patrimônio a ser dividido, mormente os imóveis, estiverem em outra, parece-me razoável concluir que deve ser competente o juiz de família da comarca onde se situam bens imóveis, uma vez que a ação é de natureza real porque se refere a condomínio (co-propriedade). Vale a regra do art. 95 do código de processo civil. Por sua vez, se os bens foram apenas móveis, incidirá a regra geral de competência constante do art. 94 do código de processo civil e a ação correrá no foro da residência do réu. Trata-se, porém, nesta última hipótese, de competência relativa. Se já falecido o ex-consorte, aplica-se a regra do art. 96 desse diploma processual, pois a demanda será proposta contra o espólio.
Se um dos cônjuges não concordar com o divórcio, o interessado terá que ajuizar uma Ação de Divórcio Litigioso, pois o procedimento em cartório (extrajudicial) exige consenso, ou seja, tem que haver acordo entre o casal. Além disso, o divórcio, ainda que consensual, terá que ser judicial se houver filhos comuns menores ou maiores incapazes.
Ajuizada a Ação de Divórcio Litigioso, ela é incontestável, salvo defesa meramente processual, pois divorciar-se é direito potestativo incondicionado do cônjuge; o Réu não pode resistir ao pedido de Divórcio e o juiz tem que decretar o fim da sociedade conjugal e do casamento (vínculo conjugal), atendendo à pretensão do autor da ação.
Mas, quem deverá pagar alimentos? A regra nos tribunais é que a obrigação cabe a que tomou a iniciativa e propôs a Ação de Divórcio; assim, é o Réu na ação que terá direito a alimentos, desde que não tenha bens suficientes, nem possa prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e o Autor puder fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Há entendimento doutrinário neste sentido, admitindo inclusive a discussão da culpa na Ação de Divórcio Direto.
Porém, "alimentos" no Direito significam muito mais que nutrição, abrangendo também as aulas de esqui, a TV a cabo, as viagens internacionais, a escola particular, ou seja, tudo aquilo compatível com a condição social do casal. Estes são os chamados alimentos civis ou côngruos, os mais cobiçados.
Recentemente o Judiciário fixou em favor da ex-mulher do jogador Alexandre Pato pensão alimentícia de 20% de sua remuneração, o que corresponde a 1 milhão de reais por ano. Essa decisão, graças a recurso do atleta, foi reformada posteriormente pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para fixar a pensão em cinco mil reais mensais até o julgamento final da causa.
Diante desse quadro, exponho meu posicionamento: entendo que se o cônjuge ajuizou o pedido de Divórcio porque, por exemplo, foi traído ou sofreu tentativa de homicídio, não há como defender que tenha o dever legal de pagar alimentos a seu consorte.
A minha tese, portanto, é a seguinte: o comportamento indigno é incompatível com o direito de receber alimentos.
O debate sobre a culpa, então, ganha enorme importância, principalmente nas Ações de Divórcio Litigioso cumuladas com Pedido de Alimentos. Com isso, a culpa, no sentido de violação objetiva de um dos deveres do casamento, ainda possui um papel preponderante na disputa por alimentos civis.
Por fim, parece-me que uma tendência no campo do casamento civil é a instituição pelo legislador, em futuro próprio, quando perceber que as Ações de Divórcio Litigioso de litígio nada têm, pois o réu não pode resistir à pretensão do autor, de um divórcio unilateral extrajudicial.
Neste passo, o cônjuge compareceria ao cartório de notas ou àquele onde está registrado seu casamento, e por meio de declaração por escritura pública, se consideraria divorciado, notificando-se em seguida o outro cônjuge, agora ex-consorte. Caso este se oponha ao divórcio, fica com o ônus de propor ação judicial para impedi-lo.
Em conclusão, apresento as seguintes teses, as quais são diretrizes abstratas e genéricas, que podem ser afastadas pelas circunstâncias do caso concreto:
1.A separação (judicial e extrajudicial) está extinta e por isso as ações propostas a partir de 14/07/2010 não possuem substrato jurídico, devendo ser julgado carente de ação o autor por impossibilidade jurídica do pedido.
2.Ainda é possível, porém, propor ação de conversão de separação em divórcio (divórcio indireto); a competência é do foro da residência da mulher, segundo art. 100, I, do CPC, a despeito de sua duvidosa constitucionalidade à luz da regra da isonomia entre os cônjuges. Proposta em juízo diferente, cabe à ré argüir exceção de incompetência relativa. Não o fazendo, ocorre preclusão e a ação tramitará no juízo de família indicado na petição inicial.
3.O foro competente para a Ação de Divórcio Litigioso é o do domicílio do réu, consoante art. 94 do CPC. Trata-se, porém, nos mesmos moldes do tópico anterior, de competência relativa.
4.Divórcio, a guarda dos filhos, a regulamentação do direito de visita, alimentos e partilha de bens devem ser objeto de uma única ação, evitando a multiplicação de demandas; todavia, trata-se de uma opção do autor da ação e não do Estado (Judiciário); desse modo, não há proibição no ajuizamento de ação visando a obter apenas o divórcio.
5.Não sendo da modalidade consensual, o autor terá que propor Ação de Divórcio Litigioso; esta ação, porém, será incontestável em seu mérito. O réu poderá reconvir requerendo alimentos, os quais, em regra são devidos pelo autor, pois coube a ele a iniciativa do divórcio; deverá, porém, ser observado o binômio necessidade-possibilidade.
6.O momento para requerimento de alimentos é na Ação de Divórcio Litigioso, não sendo possível, em regra, formular pedido de alimentos em ação própria posterior ao divórcio (Ação de Alimentos), uma vez que não haverá mais vínculo entre os ex-cônjuges.
7.A culpa é definida como violação dos deveres do casamento e não o motivo (causa) dessa violação. Esta matéria, contudo, não tem relevância no que tange ao pedido de divórcio, embora assuma importância no que tange a alimentos civis e eventual e futura ação de dano moral, que tramitará em vara cível comum e não na de família.
8.O direito a alimentos civis (côngruos) é incompatível com o comportamento indigno, de tal sorte que a discussão sobre quem infringiu os deveres do casamento é relevante na Ação de Divórcio Litigioso. O autor e o réu têm o direito de obter sentença declarando quem violou tais deveres, pois disso decorrerá a obrigação de pagar alimentos civis.
9.A partilha de bens, se postergada para momento posterior à ação de divórcio, deverá correr na vara de família do foro da situação dos bens imóveis. Todavia, há entendimento no sentido de que a competência seria da vara cível comum. Se os bens forem imóveis, valerá a regra do art. 95 do CPC e a vara competente será a do foro da situação dos bens. Se já falecido o ex-cônjuge, valerá a regra do art. 96 do mesmo código.
10.Ação na qual se discute dano moral deve tramitar na vara cível comum do domicílio do réu, pois não envolve matéria de Direito de Família, situando-se a causa no campo da responsabilidade civil.

NETO, Francisco Vieira Lima. Primeiras observações sobre o novo divórcio. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2616, 30 ago. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17299>. Acesso em: 19 mar. 2011.

Um comentário:

  1. legal mas é só pra quem tem dinheiro.ficaria melhor se fosse pra todos independente de ter dinheiro ou não.

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