sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Direito de Família - Alimentos: questões ligadas à atuação do juiz


1)- Introdução. 2)- O conceito de alimentos. Prescrição. 3)- Alimentos e guarda dos filhos. 4)- A fixação inicial dos alimentos provisórios. 5)- Alimentos e pátrio poder. 6)- Alimentos e casamento. Dispensa e renúncia. 7)- Alimentos e união estável. 7)- Alimentos e investigação de paternidade. Fixação liminar. 8)- Alimentos contra parentes. 9)- Revisão e exoneração. 10)- Execução. Prisão civil e expropriação de bens. Citação (por edital e por hora certa). 11)- Conclusão.


1)- INTRODUÇÃO

Este trabalho breve destina-se a analisar de forma sucinta questões comuns na aplicação do Direito, sob a ótica do Juiz, em relação à matéria dos alimentos no Direito de Família.



O grande mestre na matéria, YUSSEF SAID CAHALI, em conferência promovida em agosto/2000, em Termas de Jurema/PR, com grande acerto destacou que no Direito de Família a lei deve ser compreendida em face precipuamente do bom senso e da equidade do juiz, não havendo aquela preocupação comum a outros ramos do Direito mais dirigida ao formalismo de regras de cunho processual, prevalecendo o equilíbrio das decisões judiciais em cada caso concreto, visando sempre a harmonia da família ou a pacificação dos conflitos sociais, no seu mais amplo sentido.


2)- O CONCEITO DE ALIMENTOS. PRESCRIÇÃO. 

Hoje é pacífico que o conceito de alimentos não se refere apenas aos gêneros alimentícios capazes de garantir a subsistência orgânica da pessoa. BERTOLDO MATEUS DE OLIVEIRA FILHO, citando SÉRGIO GILBERTO PORTO, comenta que “a doutrina de muito firmou o entendimento de que em tal acepção devemos considerar não só os alimentos necessários para o sustento, mas também os demais meios indispensáveis para as necessidades da vida, no contexto social de cada um.”(1) 


Esse entendimento evidencia e destaca a conotação mais ampla que deve ser dada ao instituto em tela, abrangendo outras carências e necessidades igualmente relevante àquelas restritas à sobrevivência, como a educação, a saúde, o lazer, o vestuário, o transporte, e outras, dependendo sempre da condição de vida da pessoa necessitada, e das possibilidades daquele a quem os alimentos são exigidos.


O art. 400 do Código Civil dimensiona a equação a ser levada em conta na estipulação da verba alimentária, referindo-se a uma proporção entre as necessidades do reclamante e os recursos daquele obrigado a prestar o sustento. É o chamado binômio necessidades/possibilidades, cuja aplicação varia dependendo da situação posta à consideração do julgador em cada caso concreto.


Como não se trata de ciência exata ou equação matemática, mais uma vez o ensinamento do professor CAHALI torna-se importante para destacar que o juiz deve sobretudo agir com bom senso, pesando os dois lados da balança para ajustar a aplicação da lei dentro da forma que se mostre mais justa possível.


Importante, pois, que o magistrado atuante no juízo da família não tenha preconceitos em relação à igualdade dos cônjuges, por exemplo, para dar a solução justa, evitando que as partes tenham de utilizar-se em pouco tempo de ação revisional (art. 401 do CC) para reclamar reavaliação do encargo.


No que alude à prescrição, o direito a alimentos é imprescritível, porém a cobrança de prestações impagas e devidas sujeita-se à prescrição qüinqüenal, conforme regras do Código Civil e da Lei n. 5478/68 (art. 23).


Aqui é importante anotar que não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes durante o pátrio poder (art. 168, inciso II, do Código Civil). De conseguinte, a prescrição somente deve ser considerada após a maioridade ou outra causa extintiva do pátrio poder (art. 392 do Código Civil), ou seja, casamento, emancipação, etc.


Quanto à contagem, a prescrição conta-se de modo retroativo levando em conta o ajuizamento da execução.


Noutro giro, quando a verba é fixada sobre percentual de salário do alimentante, questões ligadas à base de incidência dos alimentos surgem na prática. Nosso entendimento é de que os alimentos devem incidir sobre o salário líquido do prestador, entendido ele como o bruto menos descontos obrigatórios em lei (ex. INSS, Imposto de Renda). 


O FGTS e verbas rescisórias, bem como horas-extras e eventual PDV (plano de demissão voluntária promovido por algumas empresas) não possuem caráter salarial, mas sim indenizatório, não devendo sofrer a incidência, a não ser que exista acordo prevendo-a expressamente. As horas extras não sofrem incidência comumente, assim como o adicional de periculosidade, pois são verbas atinentes ao esforço incomum do trabalhador, devendo reverter em seu próprio benefício na medida em que adquirem caráter personalíssimo. Mas o 13o salário sofre a incidência, como parte integrante da remuneração, tratando-se de acréscimo nitidamente salarial.(2)


3)- ALIMENTOS E GUARDA DOS FILHOS. 

Um dos pais pode (ou deve, conforme as circunstâncias) prestar alimentos aos filhos. Essa obrigação de sustento funda-se no próprio pátrio poder e tem sobretudo cunho moral. O art. 229 da Constituição Federal firma o princípio de sustento da prole, e o entendimento prevalecente na doutrina e jurisprudência, muito aplicado em todos os graus de jurisdição, diz respeito à obrigação dos pais de preparar os filhos para a vida adulta e conseqüente independência econômica, proporcionando-lhes o sustento, a instrução necessária, tudo dentro da sua posição social.(3)


Todavia, com a igualdade dos cônjuges trazida pela atual Carta Magna, o juiz deve verificar que aquele que detém a guarda dos filhos também é responsável por obrigações inerentes a ela, como por exemplo dar um teto e assistir mais de perto a prole, notadamente no aspecto de fazer-se presente com cuidados diários. Assim, parece-nos não ser possível o cônjuge guardião exigir do alimentante que socorra também obrigações mais ligadas ao encargo da guarda, como dar casa (parte do aluguel), pagar condomínio, empregada, luz, água ou telefone. Aquele que detém a guarda em regra(4) deve suprir tais encargos, não sendo entendida a guarda apenas como a obrigação de cuidar mais de perto dos filhos. Ela tem inegavelmente repercussões patrimoniais, e tudo isso deve ser sopesado quando da fixação da cláusula da guarda em especial nas ações de separação ou divórcio consensuais, quando da verificação – em audiência de ratificação ou oitiva dos cônjuges – das cláusulas firmadas. 


Mas o que importa é que ambos os cônjuges têm obrigação de sustentar os filhos na menoridade, contribuindo individualmente na proporção de suas possibilidades. O trabalho na direção da casa merece destaque, contudo, como acima frisado, não pode implicar em oneração excessiva daquele que presta alimentos, vez que a guarda tem também exige contra-partida no aspecto assistencial e material.


O caso concreto é que possibilitará ao juiz dimensionar ou estabelecer os limites de cada encargo, o referente aos alimentos e o inerente à guarda.


4)- A FIXAÇÃO INICIAL DOS ALIMENTOS PROVISÓRIOS.(5) 

A regra é que o juiz fixe os alimentos nas ações regidas pela Lei n. 5478/68 já de início, bastando verificar a prova pré-constituída do casamento ou paternidade (ou ainda maternidade). Só não o fará se a parte solicitante expressamente mencionar a não-necessidade imediata (art. 4o da Lei n. 5478/68). O que é raro, convenhamos.


Assim, o magistrado fixa os provisórios levando em conta a prova pré-constituída do casamento ou da paternidade (ou maternidade) e os demais dados e documentos que embasam a inicial.


A discricionariedade é imposta ao juiz, que deve agir com extrema prudência na medida em que alimentos são irrepetíveis por força da lei. Logo, deve bem analisar os fatos deduzidos na inicial, em especial a demonstração especificada das necessidades e possibilidades das partes, estipulando um valor provisório que destina-se à satisfação imediata do sustento do reclamante da verba alimentar. Se fixar um valor demasiadamente elevado sem maiores cautelas, poderá ensejar um inadimplemento e conseqüente execução com possibilidade de coerção pessoal (prisão civil). Daí o cuidado que o juiz deve ter na fixação dos provisórios, evitando depois conseqüências graves tanto para o obrigado como para o necessitado. De modo que a prudência e o bom senso aqui mostram-se fundamentais na boa atuação jurisdicional.


Os alimentos definitivos(6) retroagirão à citação, substituindo os provisórios, na dicção do art. 13, § 2o da Lei n. 5478/68 (Lei de Alimentos). 


Se os provisórios foram fixados em valor menor, a parte autora poderá depois exigir a diferença. Mas se fixados a maior, como são irrepetíveis, surge um impasse: podem ser compensados ou não? 


A resposta, a nosso modesto ver, depende do caso em concreto, pois se de um lado a lei civil proíbe a compensação no art. 1015, inciso II, não se pode perder de vista a finalidade do instituto dos alimentos, incompatível com o enriquecimento ilícito e indevido da parte reclamante. Então, se a diferença for pequena e se os provisórios foram pagos regularmente, em situações muito especiais os tribunais têm admitido a compensação (de forma bem amena) visando evitar o próprio desequilíbrio da equação do art. 400 da Lei Civil e o enriquecimento indevido de uma das partes. 


Mas, cada situação vai depender do “quantum” da diferença e do comportamento do alimentante, impendendo destacar-se mais uma vez a importância do bom senso do juiz nas hipóteses concretas que se lhe apresentam no dia a dia.


De resto, cumpre ressaltar que no correr do processo poderá ocorrer modificação ou ajustamento dos alimentos provisórios concedidos em tutela antecipada, para maior ou menor, conforme o caso. Essa modificação pode ser pedida como “reconsideração”, a qualquer tempo pela parte interessada (aqui a preclusão temporal sujeita o solicitante à discricionariedade do juiz em rever sua própria decisão, sendo aconselhável sempre ouvir antes o MP), ou mediante tempestivo agravo dirigido à eg. Superior Instância, vez que em muitos casos a inicial e os documentos que a acompanham não refletem satisfatoriamente as possibilidades do demandado, podendo gerar intervenções judicias equivocadas e até extremamente prejudiciais ao réu. Vejam-se as hipóteses de não se mencionar na inicial que o réu tem outros filhos para os quais paga outras pensões, ou quando os seus ganhos são superdimensionados. A correção será necessária pela via da reconsideração da fixação provisória, ou mesmo no agravo, de modo a não onerar o devedor em demasia evitando que comprometa o próprio sustento e de sua atual família. 


Lembre-se que os alimentos devem sempre ser fixados levando em conta as possibilidades do pagador (art. 400 do CC).


“Os alimentos hão de ser estipulados com dosado equilíbrio, acudindo às necessidades de quem os solicita, mas também sem extrapolar as efetivas possibilidades de que se acha obrigado a prestá-los.”(7) 


O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em acórdão onde figurou como Relator o Desembargador MOACIR GUIMARÃES, ao julgar Agravo de Instrumento, consignou que “... Dada a precariedade de instrução do processo, quando do despacho liminar, não se pode exigir a precisa fixação dos alimentos provisórios, sendo aceitável o ‘quantum’ que não escape do razoável e atenda, ainda que de forma imprecisa e precária, à equação proposta pelo artigo 400, do Código Civil Brasileiro.” (8)


5)- ALIMENTOS E PÁTRIO PODER.

Aos genitores é exigida pela lei (Código Civil, art. 231, inciso IV) e pela Carta Magna (art. 229) a mantença dos filhos, sobre os quais não pesa mais nenhuma distinção discriminatória.


Dessa maneira, os filhos enquanto menores podem exigir dos pais a prestação alimentícia com base no dever de sustento decorrente do pátrio poder. Após a maioridade ou cessado o pátrio poder por qualquer outra causa, poderão os filhos requerer alimentos com base na obrigação alimentar (recíproca, inclusive) decorrente do parentesco ou do jus sangüinis, na forma do art. 396 e seguintes do Código Civil, mas competirá ao reclamante provar claramente a necessidade. Ou seja, na dicção do art. 399 do Código Civil, deverá o requerente não possuir bens e nem condições de auto-sustento pelo próprio trabalho. Nesse caso as situações são bem especiais e obedecem hierarquia de parentesco estipulada expressamente na Lei Civil. 


Na prática, vê-se muitos pais – notadamente em sede de justificativa apresentada em execuções sob pena de prisão civil, na forma do art. 733 do CPC – alegando que os filhos já trabalham, apesar de menores civilmente, e que podem prover-se de per si. Esse tipo de alegação deve ser repelida e o tem sido em muitas hipóteses nas quais o filho obriga-se a abdicar dos estudos ou de outras atividades próprias de sua idade em face da omissão de um dos pais, sacrificando-se inoportunamente em benefício daquele que tem o dever legal e moral de assistí-lo e, principalmente, prepará-lo para a vida adulta. E ao juiz compete ajustar cada situação, dado que a habilidade do filho para alguma labuta ou sua eventual “boa vontade” não afasta a obrigação legal dos pais.


Dest’arte, o juiz de família pode e deve agir como transformador da realidade social do nosso país (e não como mero coadjuvante dos avanços sociais), sempre que possível – inclusive em audiências solenes – despregando-se do formalismo exagerado e até mesmo de qualquer preconceito religioso para aconselhar os casais sobre a grande responsabilidade de trazer ao mundo um filho, para que depois ele não pereça ou sofra dificuldades e até fome por atos irresponsáveis e mal pensados de quem o colocou no mundo e deve dar-lhe todas as condições de desenvolvimento e formação.


Ainda neste tópico, cumpre mencionar que algumas situações têm ensejado o entendimento da prorrogação do dever de sustento dos pais, baseado na eqüidade, quando os filhos, apesar de já excluídos do pátrio poder, ainda necessitam de auxílio material para sua completa “passagem” para a vida independente e adulta. E assim o é nas situações onde o filho cursa faculdade e pela carga horária ou mesmo pelo valor da mensalidade não reúne condições de manter-se pelo próprio esforço. 


Com muita propriedade leciona BERTOLDO MATEUS DE OLIVEIRA FILHO:


“... A despeito da capacidade laborativa e maioridade, pode acontecer, por motivos relevantes, de o filho maior necessitar da assistência dos pais. O exemplo comumente observado é o de freqüência a cursos que reclamam dedicação exclusiva, onde as chances de obtenção de emprego são reduzidas. Por isso, já se deliberou que ‘a maioridade de filho, que não trabalha e cursa estabelecimento de ensino superior, não justifica a exoneração do pai de prestar-lhe alimentos’. Após concluir que o reconhecimento do direito a alimentos pelo filho maior e estudante se dá por espírito de eqüidade, advertiu o TJMG que o beneficiário deverá comprovar que em face do horário de suas aulas está impedido de trabalhar, e assim não ocorrendo, fica o pai exonerado da obrigação alimentícia, assinalando que ‘quem está vocacionado para o trabalho consegue desempenho como autônomo, conciliando horário de estudo com horário de trabalho.’ ...”


“... Claro está que o deferimento dos alimentos, na hipótese de maioridade e aptidão laboral, deve ser objeto de redobrada prudência para que não se desvirtue aquilo que na lição de CLÓVIS BEVILÁQUA os romanos denominavam ‘officium e pietas’, expressões que traduzem o fundamento moral do instituto, o dever de mutuamente se socorrerem os parentes, na necessidade. ...”.(9) /(10)


Por outro vértice, cumpre assinalar que o filho maior deve adentrar os portões da faculdade antes de completar a maioridade, e sua responsabilidade exige que dedique-se aos estudos de forma a completar o curso no prazo normal de conclusão. Por outras palavras, filhos que ingressam na faculdade após a maioridade a princípio não podem invocar o dever de sustento dos pais, e do mesmo modo nos casos de cursos de pós-graduação ou línguas estrangeiras, por exemplo.


Outras hipóteses de alimentos devidos após a maioridade normalmente referem-se a condições de saúde dos filhos maiores, como problemas de ordem física e mental, verbi gratia.


Mas, a regra geral é de que a extinção do pátrio poder nas hipóteses legais do art. 392 do Código Civil acarreta também a extinção do dever de sustento dos pais, de forma ex vi legis, independendo de ação (novo processo) do alimentante para tal fim. Basta, a nosso ver, petição a ser juntada no próprio feito onde os alimentos foram estipulados, cumprindo ao julgador apenas propiciar a oitiva da parte beneficiária (pelo princípio do contraditório) e do Ministério Público, decidindo em seguida.


6)- ALIMENTOS E CASAMENTO

Enquanto casados, os cônjuges estão submissos ao dever de mútua assistência derivado do casamento, previsto expressamente no art. 231, inciso III, do Código Civil. Com a atual Constituição Federal, a obrigação tornou-se bilateral e deve ser enfocada sempre com vistas à isonomia de direitos e obrigações de cada qual.


A paridade de direitos e obrigações dos consortes não derrogou a obrigação de mútua assistência estabelecida pelo casamento, ainda que desfeito pela separação. Se moram na mesma casa, mas separados de fato, o dever não sucumbe e a esposa pode pleitear fixação de alimentos em juízo.


Todavia, ainda no aspecto de alimentos, entende-se válida e irretratável cláusula que estabelece a renúncia ao direito. Há alguma dissidência quando se procura distinguir a mera dispensa da renúncia aos alimentos, mas entende-se que quando existe ressalva (mera dispensa) o pedido pode ser feito posteriormente, desde que em ação nova e ordinária de revisão de cláusula da separação(11). Aí o juiz verificará se a mulher ficou com bens por ocasião da partilha e não soube administrá-los, e se há justificativa plausível para a invocação do direito, em especial considerando-se o tempo de separação e até o comportamento moral (sexual) da requerente.


Ainda na separação, a renúncia deve ser expressa e induvidosa, esclarecidos os cônjuges de seus efeitos, pois em algumas vezes as cláusulas mostram-se nebulosas e a precipitação dos envolvidos, gerada pela questão emocional embutida no problema, pode levar a fins e efeitos inicialmente indesejados.


Já no divórcio, que rompe definitivamente o casamento, os alimentos somente subsistem por exceção, desde que expressamente convencionados. Se nada for dito, com a extinção do vínculo advém a impossibilidade de futuro reclame, configurando-se a carência de ação.


É que no casamento os alimentos detém natureza contratual, sendo disponíveis, exceto quando qualificados como sancionatórios por culpa na dissolução da sociedade conjugal (Lei n. 6515/77, arts. 19 e 26).


Outra questão relevante para o juiz que decidirá a questão alimentar entre ex-cônjuges, é aquele alusiva ao termo final da obrigação. 


Se hoje vigora a paridade de direitos entre marido e mulher, não se justifica que esta última seja pensionada perpetuamente, a não ser em situações especialíssimas (por exemplo, quando o casamento tem longa duração e a esposa sempre dedicou-se ao lar, não tendo nenhuma condição de sobrevivência no mercado de trabalho). 


Conseqüentemente, se o casamento pouco durou e se a esposa tem preparo profissional, nada mais correto que se estipule, conforme o caso, limite temporal para os alimentos a serem prestados pelo marido, evitando-se que o ócio seja auto-estimulado como fonte geradora de recursos. A moralidade está sempre presente na convicção do juiz de família, e os avanços sociais da mulher têm seu contra-peso.


7)- ALIMENTOS E UNIÃO ESTÁVEL.

A grande polêmica criada na doutrina e jurisprudência desde o concubinato, passando pela atual Constituição Federal que no art. 226, § 3o reconheceu a união estável como entidade familiar, perdeu um pouco da relevância com o advento das Leis Federais nºs 8971/94 e 9278/96. 


Hoje a discussão gira em torno da revogação da primeira pela segunda, mas ainda prevalece entendimento de que as duas coexistem. 


Como não se quer aqui entrar no mérito de nenhuma polêmica, mas simplesmente colocar uma visão do juiz a respeito da matéria de alimentos, a análise será restrita ao tema inicialmente proposto.


O dever de assistência material dos conviventes decorre de ambas as leis e veio expressamente previsto na segunda. 


Quando existe prole comum a questão fica mais fácil, e pode a convivente e os filhos requerer alimentos usando a Lei n. 5478/68, com fixação inclusive dos alimentos provisórios. 


O TJSP decidiu a seguinte situação:


“ALIMENTOS – Pretensão formulada por companheira, para si e para o filho menor do casal – Legitimidade em vista do disposto no art. 1o, da Lei n. 8.971/94, e nos arts. 1o e 2o, inciso II, da Lei n. 9.278/96 – Aparência, ademais, de necessidade – Existência, doutro turno, de elementos suficientes, indicativos de possuir o varão condições financeiras para suportar o encargo – Decisão mantida. A companheira tem legitimidade, nos termos do art. 1o da Lei n. 8.971/94, para pleitear alimentos do companheiro, de quem teve prole; tratando-se de provisórios, inexigível prova plena da necessidade, bastando a existência de dados plausíveis nesse sentido” (TJSP, AI 55.878-4, São Paulo, VU, 30/10/97, Rel. MARCUS ANDRADE).(12)


Porém, quando apenas se alega a existência de união estabilizada entre as partes, porém sem filhos, parece-nos ser exigível que a parte solicitante da verba alimentar demonstre, de forma verossímel e constatável de plano (documentos, cartas, e outros meios de prova), a existência da união estável com a intenção de constituição de família. Do contrário, a convivente será obrigada a demandar pelo rito ordinário, a princípio sem direito a alimentos provisionais, a não ser em casos graves.


A Lei n. 9278/96 foi mais ampla que a Lei n. 8971/94, e não estipulou prazo fixo para o reconhecimento da união estável. Essa estabilidade, notadamente no requisito temporal, deve ser verificada no caso concreto, sendo que aqui também valem as considerações no tocante à livre disposição dos alimentos pela natureza contratual deles, cumprindo ao julgador evitar e coibir os abusos de qualquer dos lados.


Uma última questão que pode ocorrer diz respeito à convivência simultânea com a esposa e a concubina. O TJSP decidiu que “... A convivência simultânea com a esposa e outra mulher não caracteriza união estável, mas o concubinato impuro ou adulterino, sendo inadmissível, nesse caso, a partilha de bens com fundamento na Lei n. 9278/96, pois a união capaz de gerar direitos aos companheiros é aquela estabelecida entre pessoas desimpedidas, solteiras, viúvas, separadas ou divorciadas, com objetivo de constituir família” (RT 750/249 – no mesmo sentido: RT 748/350, JTJ 203/24). 


Se esse tipo de união não gera direitos, impende concluir que não exsurge nenhuma obrigação de cunho alimentício entre os envolvidos.


8)- ALIMENTOS E INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. FIXAÇÃO LIMINAR.

Os alimentos podem ser concedidos no início ou no correr do processo investigatório, presentes os requisitos do art. 273 do CPC, pois pode haver prova inequívoca da verossimilhança da alegada paternidade (ex. cartas manuscritas assumindo o filho, DNA feito extrajudicialmente, etc). 


Cabe ao juiz analisar cada situação, evitando que a parte necessitada tenha de esperar longos anos para obter o reconhecimento de um estado que já existia quando de seu nascimento. 


O professor MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO, no XXXII Curso de Atualização para Magistrados, promovido pela Escola da Magistratura do Paraná em conjunto com o eg. Tribunal de Justiça, em Termas de Jurema/PR, comentou que julgar significa também correr riscos e a prova inequívoca da verossimilhança poderá significar um percentual de 51% até 100% de acerto para o juiz, a ser verificado no final da demanda. E quem julga não pode ter medo de julgar. Os recursos estão à disposição das partes para reanálise das questões decididas provisoriamente e até definitivamente em primeiro grau.


A sentença final irá somente declarar a paternidade preexistente e fixar os alimentos dela decorrentes, e a dissidência que havia no eg. STJ sobre o tema foi resolvida com o entendimento da aplicação do art. 13, § 2o da Lei n. 5478/68, retroagindo os alimentos à citação do réu investigado.


No Recurso Especial n. 225.469 – PR (1000/0069655-7), o Ministro NILSON NAVES emitiu o seguinte despacho:


“Segundo o acórdão recorrido, ‘o termo inicial aos alimentos dá-se com o ajuizamento da ação.’ Quer, no entanto, o recorrente ‘a fixação da data da prolação da sentença como termo a quo da obrigação alimentar.’ Foi o recurso especial admitido, visto que ‘O tema relativo ao dies a quo da incidência da verba alimentar é objeto, inclusive de controvérsia na própria instância superior.’


De fato, aqui no Superior Tribunal, a respeito dessa matéria, havia divergência entre a 3a e 4a Turma. Sucede, todavia, que a orientação da 2a Seção (EREsp – 152.895, sessão de 13.12.1999) firmou-se no sentido do acórdão estadual, tal o entendimento prevalecente na 3a Turma, a saber, ‘Reconhecida a paternidade, a obrigação alimentar, em caráter definitivo, exsurge, de forma inconteste, desde o momento em que exercido aquele direito, com o pedido de constrição judicial, qual seja, quando da instauração da relação processual válida, que se dá com a citação. Inteligência do § 2o, do art. 13, da Lei nº 5.478/68.” (Resp – 2.203, DJ de 06.8.90, Ministro Waldemar Zveiter). Após o julgamento da Seção, ver os REsp’s 197.604, 211.902 e 214.640, sessão de 14.12.99.


À vista dos arts. 557 do Cód. de Pr. Civil (redação da Lei nº 9.756/98) e 34, XVIII do Regimento Interno, bem como da Súmula 83, nego seguimento ao recurso especial.

Publique-se.

Brasília – DF, em 1o de fevereiro de 2.000.”


Curvemo-nos a este entendimento, até mesmo pela segurança jurídica.


Voltando ao tema da liminar, é digno de nota citar que existem julgados que já consideravam inadmissível a Justiça impor sofrimento ao filho, privando-o durante os morosos trâmites processuais do direito de receber recursos indispensáveis à sua sobrevivência, quando já de início comprovava-se a existência de indícios de paternidade. Entendia-se, portanto, pela possibilidade de concessão dos provisionais na pendência ou mesmo no início da lide, dependendo das provas juntadas com a inicial ou efetivadas no curso do processo (nesse sentido: RT 287/906; RF 201/188, 110/206; RT 615/50, 652/76).


Agora com a antecipação de tutela trazida pela nova redação do art. 273 do Código de Processo Civil tornou-se pacífica a possibilidade da concessão dos provisionais mesmo no início do processo, sendo que os definitivos, fixados por ocasião da prolação da sentença de reconhecimento, retroagirão sempre à citação.


8)- ALIMENTOS CONTRA PARENTES

Os arts. 396 e seguintes do Código Civil prevêem a fixação de alimentos com base no parentesco, ou jus sangüinis. Há uma ordem de sucessão, e o mais comum é os netos pedirem alimentos aos avós.


Na questão dos avós, o autor não é obrigado a primeiro demandar contra o pai para depois reclamar a complementação dos avós. Pode demandar contra todos eles (pai e avós, sejam maternos e paternos), e não há solidariedade entre a obrigação de cada qual, nem litisconsórcio obrigatório entre avós paternos e maternos. 


Contudo, o autor deve esclarecer já no pedido inicial (sob pena de compelido a emendá-lo) a situação tanto do pai quanto de cada qual dos avós, pois o primeiro responde com base no dever de sustento decorrente do pátrio poder, e os demais respondem a título complementar pelo parentesco. Por outros termos, deve ficar comprovada quantum satis a hipossuficiência paterna para ensejar a almejada complementação dos avós.


Assim, se o juiz fixar os provisórios abrangendo os avós, deve esclarecer a cota de contribuição de cada qual, pois, repita-se, inexiste solidariedade. 


Por outras palavras, na lição de DARCY ARRUDA MIRANDA, “... A obrigação alimentar pode alcançar, conforme o caso, mais de um alimentante, inexistindo, porém, solidariedade entre os obrigados, fornecendo cada um o seu quinhão.” (13)


O TJRJ sentenciou:


“COMPLEMENTAÇÃO POR AVÓS – Admissibilidade, quando os pais forem carecedores para alimentarem os filhos menores impúberes – Se os pais, por si, se revelam carecedores de recursos para alimentarem os filhos menores impúberes, podem estes exigir complementação dos avós, ...” (RT 747/385).


No mesmo rumo nosso eg. Tribunal de Justiça do Paraná manifestou-se:


“Evidenciado que o pai dos menores não tem, sozinho, condições financeiras para prover a subsistência dos seus filhos, justifica-se o chamamento dos avós paternos na lide, para efeito de os mesmos também concorrerem na complementação do ‘quantum’ necessário, nos termos do art. 397 do CC.” (TJPR, AI 174/88, 3a CCv, vu, 8/11/88, Rel. Des. SILVA WOLFF).(14)


Mas é sumamente importante que o alimentando explique a situação econômica e possibilidade de cada demandado, sob pena de subverter o todo o arcabouço legal do direito/dever de alimentos com base no parentesco. Isso possibilitará que o juiz verifique “quem pode” e “como pode”, nos termos da Lei Civil e da Lei n. 5478/68.


Daí a prudência enorme com que o juiz deve pautar-se ao fixar os alimentos provisórios em situações tais, lembrando sempre que a inadimplência pode ensejar custódia civil.


Lembre-se sempre que o pai tem o dever de sustento. Os avós maternos ou paternos podem complementar a pensão quando o pai não tem condições de prestar ou contribui de modo insuficiente. Todavia, não se exige dos avós ou outros parentes o sacrifício próprio e da família.


O seguinte julgado resume a questão:


“O fato de o genitor já vir prestando alimentos ao filho não impede que este último possa reclamá-los dos avós paternos, desde que demonstrada a insuficiência do que recebe. A responsabilidade dos avós não é apenas sucessiva em relação à responsabilidade dos progenitores, mas também é complementar para o caso em que os pais não se encontrem em condições de arcar com a totalidade da pensão alimentícia, ostentando os avós, de seu turno, possibilidades financeiras para tanto.” (STJ, 4a t., Resp 70.740-SP, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, j. 26/5/97, v.u., DJU 25/8/97, pág. 39.375).(15)


Mas, a ação de alimentos não procederá contra o ascendente de um grau sem prova de que o de grau mais próximo não possa satisfazê-la, pois o dever de sustento cabe ao pai, precipuamente, até mesmo na hipótese dele também se achar sob o regime jurídico do pátrio poder.


9)- REVISÃO E EXONERAÇÃO

Como os alimentos estão subordinados à cláusula rebus sic stantibus, podem ser revistos a qualquer tempo, ou mesmo o alimentante pode buscar a exoneração da obrigação desde que fundado em motivo previsto em lei (art. 392 do Código Civil) ou em fato grave (ex.: união estável do beneficiário, etc).


Cabe ao juiz analisar os motivos invocados, sendo que a revisional seguirá o rito especial da Lei n. 5478/68 (Lei de Alimentos) por força do seu art. 13. O art. 401 do Código Civil menciona o requisito da “mudança de fortuna” das partes, e sob este enfoque a revisão pode ser postulada, apesar de entendimento mais amplo por nós adotado de que a revisão também é possível quando o acordo das partes foi mal formulado e obriga em demasia o alimentante, ou fixa valor irrisório para o alimentando. Ou seja, quando constate-se desequilíbrio na equação do art. 400 do Código Civil, numa visão sistemática das normas legais.


A exoneração pode ser pedida em ação própria, com possibilidade de tutela antecipada pelo art. 273 do CPC. Se a verba alimentar foi fixada somente para filho, e de forma intuitu personae, pode ser apreciado pedido exoneratório com base na maioridade civil do beneficiário nos próprios autos onde ficou fixada a obrigação, não havendo necessidade de novo processo (princípio da instrumentalidade das formas, e economia processual).


Problemas surgem quando os alimentos são fixados de forma intuitu familiae, sem discriminação da cota parte de cada beneficiário. Se a ex-mulher passa a laborar e conquistar independência financeira, ou se um dos filhos vem a casar ou atinge a maioridade, é exigência que a nova ação a ser proposta seja revisional com chamamento ao pólo passivo de todos os beneficiários, eis que em tese há a possibilidade do chamado “direito de acrescer” daqueles que remanescerão na condição de beneficiários dos alimentos. Em muitos casos a emenda da inicial é inevitável e o juiz deve oportunizá-la, esclarecendo a situação às partes e suas conseqüências jurídicas.


Com efeito, mostra-se importante que nas sentenças de alimentos (e mesmo na fixação liminar) o juiz faça a previsão de forma intuitu personae, evitando percalços futuros para delimitar a verba de cada um dos alimentandos. Isso tornará desnecessária a propositura de muitas ações mais adiante, e é perfeitamente aconselhável, máxime em alimentos onde a fixação se dá por equidade, não havendo julgamento extra ou ultra petita.


Complementando, as situações mais comuns são aquelas de filhos que atingem a maioridade ou casam. No tocante à revisão, os alimentantes costumam alegar constituição de nova família, circunstância que a princípio não o desobriga da alimentar os beneficiários da anterior união, posto que o novo compromisso foi assumido por sua conta e risco. Quer dizer, se o alimentante se abalançou a novo compromisso, o fez livremente e sabendo da obrigação do leito anterior, de forma que a nova circunstância não tem o condão de influir no pensionamento até ali vigente. Contudo, cada caso é um caso, e as pessoas mais humildes muitas vezes deixam o tempo passar até mesmo pela dificuldade de assistência por advogado, chegando ao Judiciário muitos anos depois, normalmente com nova união já estabilizada e muitos filhos. Em tais situações o bom senso deve imperar, pois não se pode manter um pensionamento por vezes bastante desproporcional ao momento atual. Ademais, os novos filhos estão no mundo e precisam sobreviver, merecendo consideração do julgador até mesmo para evitar tratamentos díspares ou discriminatórios.


Como se vê, as situações variam muito e por ocasiões surgem casos difíceis de solucionar, não se olvidando da desigualdade social existente em nosso país.


O art. 401 do Código Civil deve dar o norte ao magistrado, e seus requisitos não são alternativos, pois pode ocorrer que o alimentante passe a ganhar mais mas o encargo não mereça agravamento porque já atende às necessidades do beneficiário. E assim também quando este precise de valor maior, mas não demonstre capacidade contributiva suficiente pelo prestador.


No que diz respeito à mulher separada, é ela livre para escolher a vida que preferir. Pode namorar outro homem, é certo. Entretanto, se liga-se a outro homem passando a viver junto com ele, perde o direito de ser pensionada pelo ex-marido.


Essas situações ocorrem com alguma freqüência, e quando demonstradas de forma clara nos autos, merecem o devido ajustamento judicial, vez que somente a pobreza inocente merece ser albergada pela Justiça, sendo evidentemente imoral manter o ex-marido a pensionar mulher de outro. A jurisprudência tem conservado a pensão do ex-marido somente para a ex-mulher que se conserva no estado de “pobreza inocente” (RT 536/114, 543/119; RTJ 61/398, etc).


Por fim, desnecessário dizer que o foro competente para a revisional ou exoneratória é aquele do domicílio do alimentando, havendo prevenção para a Vara que fixou os alimentos inicialmente, em existindo mais de uma na comarca.


E mais, os alimentos revistos retroagem à citação nos termos do § 2o do art. 13 da Lei de Alimentos, sendo o recurso admitido somente com efeito devolutivo na hipótese de majoração (art. 520, II, CPC, c/c art. 14 da Lei n. 5478/68), e no duplo efeito na hipótese de redução.


10)- EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL E EXPROPRIAÇÃO DE BENS. CITAÇÃO (por edital e por hora certa).

A jurisprudência vai se firmando cada vez mais no sentido de que apenas as pensões atuais (o critério adotado com mais freqüência é o de três meses antes do ajuizamento da execução, mais as vincendas(16) ) podem ser cobradas pela via do art. 733 do CPC, restando para a dívida pretérita o procedimento do art. 732, ou seja, a execução por quantia certa contra devedor solvável, expropriando-lhe bens.


THEOTONIO NEGRÃO, no seu CPC Anotado, Saraiva, 31a ed., pág. 730, em nota 7 ao art. 733, menciona o julgado seguinte:


“Consolida-se na jurisprudência o entendimento de que, em caso de dívida alimentar que se acumula por longo período, deixa a mesma de Ter esse caráter, salvo quanto às três últimas parcelas. Dest’arte, enquanto estas podem ser cobradas sob pena de prisão do devedor, as demais devem ser exigidas executivamente, na forma do art. 732 do CPC.” (STJ – 6a Turma – HC 6789-ES – Rel. Ministro ANSELMO SANTIAGO – j. 1.8.98 DJU 13.10.98, p. 183).


Na comarca de Curitiba tem-se admitido o processamento das duas execuções nos mesmos autos (cisão da execução), por economia processual, não ocorrendo maiores problemas no seguimento de cada uma delas.


Os três últimos meses antes do ajuizamento preservam o caráter alimentar ou emergencial da dívida, contrapondo-se aos meses anteriores, que perdem essa característica e assumem outra de ordem indenizatória.


O art. 733 enseja a prisão civil, que é prevista constitucionalmente mas só deve ser aplicada em casos onde fique claro que o inadimplemento é injustificado ou inescusável.


O nosso eg. Tribunal de Justiça do Paraná já afirmou:


“ALIMENTOS – EXECUÇÃO – PRISÃO – PARCELAS CORRESPONDENTES AO PERÍODO DE TRÊS MESES ANTERIORES AO AJUIZAMENTO, ATÉ O EFETIVO PAGAMENTO – VIABILIDADE.
Não se reveste de ilegalidade o decreto de prisão diante do não pagamento da pensão alimentícia correspondente aos três meses vencidos antes da propositura da execução, mais as vincendas, posto que tais parcelas não podem ser consideradas pretéritas, sem o significado de manutenção.” (TJPR – Ac. 16860 – 4a CCv – HC Cível n. 0085395-8 – 3a Vara de Família de Curitiba – Rel. Des. TROIANO NETTO – j. 12/04/2.000).


Os argumentos mais comuns em justificativas são alegações de desemprego e de constituição de nova família, quando se exige que o devedor comprove de forma cabal a impossibilidade de pagamento para elisão da coerção pessoal, eis que a justificação somente pode ser acatada quando relacionada a motivos de força maior (doença, falência completa, incapacidade laborativa, etc.). De tal sorte, a mera alegação de desemprego não mostra-se suficiente na maioria das vezes, máxime quando em nosso país grande parte da população vive do mercado informal. Assim, se o desemprego vem de longa data, o juiz de analisar com cuidado a alegação e ater-se às provas trazidas pelo devedor, podendo, em situações especialíssimas e que causem dúvida intransponível, determinar verificação por Assistente Social do juízo ou Oficial de Justiça. O decreto de prisão civil, por sua gravidade, merece sempre cautelosa fundamentação do juiz.


Quando a alegação refere-se a meras afirmações de dificuldades financeiras, desprovidas de prova documental idônea, comumente não é acolhida. E quando relaciona-se à constituição de nova família e prole, idem, pois o executado sabia de seu compromisso anterior.


Alimentos são sagrados e há uma certa tendência de muitos pais para a irresponsabilidade, por vários motivos, inclusive ligados à separação da ex-esposa.


Em sendo assim, somente motivação segura e consubstanciada em provas idôneas e claras pode ser aceita pelo magistrado, pois há o perigo de desfigurar o importante meio de coerção representado pela prisão civil do devedor de alimentos.


Veja-se alguns julgados:


“A simples invocação da impossibilidade do cumprimento da obrigação não exime o alimentante de efetuar o pagamento de pensão alimentícia. Deve provar cumpridamente o alegado para evitar a imposição de pena detentiva.”(RT 177/95 – no mesmo sentido: TJPR – 6a CCv – Rel. Des. ACCÁCIO CAMBI, ac. n. 65.864-2, de 29/04/98).

“ALIMENTOS – ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO – PROVA.

Deve ser mantida a decisão que decreta a prisão do inadimplente quando, em face das provas, não ostentarem procedência as alegações de impossibilidade de adimplemento da obrigação de prestar alimentos.” (TJPR – Ac. n. 17914 – 1a CCv – Ag. Instr. n. 0087980-5, de Curitiba, 3a Vara de Família – Rel. Des. PACHECO ROCHA – j. 02/05/2.000, unânime).

“A tese de que a prisão por dívida alimentar não pode abranger período superior a três meses não abrange os valores vencidos durante o processo de execução, mas sim os valores anteriores aos três meses que antecedem a propositura daquela execução. ... Se a prisão é odiosa, é mais odioso não pagar alimentos aos filhos. Alimentos dizem com a sobrevivência do ser humano, pelo que sua cobrança não pode ser desmoralizada. ... O judiciário não pode acobertar a tradicional irresponsabilidade masculina em relação aos filhos. Em regra a simples ameaça de prisão faz aparecer dinheiro, o que é excelente, pois nada há de bom em ordenar a prisão de alguém. Todos devem querer que um dia a Humanidade não mais precise de prisões.” (TJRS – AI n. 595166810 – 8a CCv – Caxias do Sul – Rel. Des. SÉRGIO GRISCHKOW PEREIRA, j. 23/05/96, un.).

“Se os pagamentos pensionais não ocorrem por estar o paciente desempregado há longo tempo, ajuíze ele ação de exoneração ou redução de pensão, pois não pode invocar essa causa como repetido argumento para justificar seu lamentável proceder ...” (TJPR – HC Cível n. 65.864-2 – 6a CCv – Rel. Des. ACCÁCIO CAMBI – j. 29/04/98).

Para o mestre YUSSEF SAID CAHALI “... não basta que o devedor demonstre estar desempregado para provar a impossibilidade do pagamento de pensão alimentícia; a impossibilidade a que se refere a lei é aquela que não depende da vontade do devedor e resultante de força maior” (in “Dos Alimentos”, 2a ed., RT, pág. 822).

E ainda:

“A constituição de novo lar e vagas alegações de que ganha pouco não eximem o devedor de pagar a pensão devida, não sendo, portanto, ilegal a decretação da prisão civil em razão do não pagamento.” (TJSP, RT 600/101).

E se houve acordo descumprido pelo executado, considera-se novação de dívida. Nesse exemplo o nosso Tribunal de Justiça, por dois julgados onde figurou como relator o eminente Des. ALTAIR PATITUCCI, firmou questão:

“... O agravante certamente não firmaria acordo que não pudesse cumprir. Se o fez com a deliberada intenção de procrastinar, há que se aplicar meios legais para vencer a resistência do devedor renitente, desinteressado ou irresponsável, que pode mas não cumpre a obrigação e nem se esforça para satisfazê-la. ...” (Ac. n. 16809 da 2a CCv do TJPR, em AI n. 81.392-1, da 4a Vara de Família de Curitiba, un., j. 10/11/99).

“HABEAS CORPUS PREVENTIVO – ALIMENTOS – EXECUÇÃO – ACORDO – DESCUMPRIMENTO – PRISÃO CIVIL – ORDEM – DENEGAÇÃO. O inadimplemento da obrigação alimentar quanto a prestações decorrentes de acordo firmado entre as partes quanto a parcelas pretéritas não pagas, tem caráter de atualidade. Aplicabilidade do rito previsto no art. 733 e §§ do Código de Processo Civil. Inocorrência de ato ilegal e abusivo ante a iminência de prisão civil pela não satisfação do pagamento devido. ...” (Ac. n. 16779 da 2a CCv do TJPR, HC Cível n. 81.393-8, un., j. 17/11/99).


Há igualmente a possibilidade de execução de ajuste extrajudicial versando sobre alimentos. Em tal caso veda-se a coerção pessoal. O colendo STJ decidiu que a transação estipulativa de alimentos, mesmo homologada por Juizado Especial Cível, revela-se ineficaz para a compulsão executória da prisão civil do devedor, nos termos do art. 19 da Lei n. 5478/68, e concedeu ordem de Habeas Corpus ao executado (JTJ 195/274).


De resto, afora a problemática da prisão e da penhora, em algumas ocasiões pedem os exequentes a citação por hora certa do devedor, ou mesmo por edital.


Defendemos o seguinte entendimento a respeito:


Não há possibilidade legal de citação editalícia nas execuções processadas sob o rito do art. 733 do CPC, pois tal rito prevê a prisão civil como conseqüência do inadimplemento da obrigação alimentar, e não haveria como um Curador Especial nomeado pelo juiz dar conta de uma justificativa da impossibilidade de pagamento do débito, de forma satisfatória ao “munus” processual da Curadoria, visto que não teria qualquer conhecimento ou contato com o executado. Ou seja, o executado poderia ser facilmente preso, sem um direito efetivo e concreto de defesa, direito esse que a Carta Magna atual lhe garante.


No tocante à citação por hora certa, se ela inexiste no rito do art. 732 do CPC, consoante maciça jurisprudência (p. ex., TRF, 1a R., AI n. 89.01.20021-0 – BA – 2a T. – Rel. Juiz ESTÁQUIO NUNES SILVEIRA – DJU 02.4.90), também não há de ser aplicada no rito do art. 733, onde há a possibilidade de prisão do devedor.


Já na execução pelo rito do art. 732 do CPC, como dito, sendo incabível a citação por hora certa, deve o Oficial de Justiça, em não encontrando o devedor, arrestar-lhe bens, para depois o credor requerer a citação por edital, nos termos dos arts. 653 e 654 do CPC. Vale, dizer, somente a citação editalícia é cabível, nas condições citadas.


11)- CONCLUSÃO.

Ser juiz nunca é fácil. 


A matéria aqui tratada pode parecer simples em relação a outros ramos do Direito, todavia as inovações trazidas com a Constituição Federal de 1988 e até mesmo por leis extravagantes tentam acompanhar a evolução dos costumes sociais, gerando novos desafios e impondo ao magistrado grande dose de prudência, equidade e bom senso na aplicação do Direito Positivo ao caso concreto, nunca esquecendo que está a tratar com vidas humanas e que suas decisões podem modificar o relacionamento entre pais e filhos, e mesmo entre ex-cônjuges ou ex-conviventes.


As questões trazidas diariamente ao juízos de família refletem conflitos graves, envolvendo emoções das mais variadas, e dificultando ao julgador a aplicação da lei. 


Por isso ele sempre deve procurar agir visando a promoção da pacificação do conflito, mediando as partes e decidindo sem esquecer que vidas humanas estão em jogo, não olvidando ainda que deve atender aos fins sociais a que a lei se dirige e às exigências do bem comum (art. 5o da LICC).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


OLIVEIRA FILHO, Bertoldo Mateus. Alimentos e Investigação de Paternidade. Belo Horizonte. Ed. Del Rey – 1993.

ARRUDA MIRANDA, Darcy. Anotações ao Código Civil Brasileiro. São Paulo. Ed. Saraiva – 3a ed. – 1987.

LOUREIRO FILHO, Lair da Silva (e Cláudia Regina Magalhães Loureiro). Direito de Família - A Lei nos Tribunais. São Paulo. Editora Juarez de Oliveira – 1999.

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo. Ed. RT – 2a ed. – 1994.

1 In “Alimentos e Investigação de Paternidade”, Ed. Del Rey, BH, 1993, pág. 22

2 “ALIMENTOS. BASE DE INCIDËNCIA. 13o SALÁRIO. Fixado em sentença o percentual de 33% sobre os vencimentos líquidos do agravante, a título de alimentos, sem qualquer restrição à verba correspondente ao 13o salário, e, sendo este último uma parcela periódica e definitiva que integra o próprio salário para todos os efeitos, ainda que denominada de ‘gratificação natalina’, deve ele incidir no percentual alimentício. Recurso improvido.” (Agravo de Instrumento n. 594163958, 8a CCv do TJRS, Rel. Des. ELISEU GOMES TORRES, 22. 12.94).

3 Nesse sentido pensa CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, in “Instituições de Direito Civil”, RJ, Forense, 1990, vol. V, pág. 417, n. 234.

4 Evidente que nada é absoluto nesse tema, devendo sempre ser analisada a posição e nível social dos envolvidos.

5 Há uma distinção entre alimentos provisórios da Lei n. 5478/68 (Lei de Alimentos) e os provisionais, que têm caráter de medida cautelar e podem ser pedidos de forma preparatória em relação a uma ação principal de divórcio direto ou separação judicial (ou na própria inicial, como vêm sendo admitido, ou ainda como cautelar incidental), e são previstos no art. 852 do CPC. Mas, afora o debate travado na doutrina e jurisprudência acerca da natureza da cada instituto, vale dizer que na prática muitos advogados confundem os dois termos, o que não impede o juiz de dar o tratamento devido a cada qual deles.

6 Que a rigor nunca serão definitivos, eis que existe sempre a possibilidade de revisão e até exoneração, segundo a lei.

7 TJMG, Ap. 61.306, Comarca de Conselheiro Lafaiete, Rel. Des. HUMBERTO THEODORO, ac. em 19/5/83, referido por BERTOLDO MATEUS DE OLIVEIRA FILHO, ob. cit., pág. 51.

8 Citado no Agravo n. 87.784-3, da 2a Vara de Família de Curitiba, em despacho liminar do eminente

Desembargador SILVA WOLFF, no exercício da d. Presidência do eg. TJPR.

9 Ob. cit., pág. 53.

10 “FILHOS MAIORES E CAPAZES – Pensão alimentícia pleiteada – O dever do genitor em prestar alimentos à sua prole cessa quando os filhos atingem a maioridade, salvo quando estes forem portadores de deficiência física ou mental, ou, ainda, frequentarem curso universitário.” (TJAL, RT 752/273).

11 Figuramos entre aqueles que entendem pela necessidade de ação própria, pelo procedimento ordinário, podendo ser requerida tutela antecipada se a situação for grave.

12 In “Direito de Familia – A lei nos Tribunais”, LAIR DA SILVA LOREIRO FILHO e CLAUDIA REGIMA MAGALHÕES LOUREIRO, Ed. Juarez de Oliveira, 1999, pág. 81).

13 In “Anotações ao Código Civil Brasileiro”, ed. Saraiva, 1o vol., pág. 393.

14 In BUSSADA, Wilson. “Sociedade Familiar interpretada pelos tribunais”. Alimentos. São Paulo. Jurídica Brasileira. 1992. Vol. III. Pág. 423, n. 150.

15 No mesmo sentido: RT 722/150, RJTJERGS 165/256.

16 As prestações que vão vencendo no decorrer do processo executório acoplam-se automaticamente ao débito que já era recente quando do ajuizamento da ação executiva, devendo ser pago na sua integralidade para elisão da custódia civil. Do contrário o devedor sempre sairia beneficiado com a morosidade natural da máquina judiciária estatal, e muitas vezes de sua própria dissimulação (ocultação), para, às vésperas de ver-se recolhido ao cárcere, reunir alguns vinténs e pagar três meses somente, relegando o restante da dívida para a difícil execução do rito da penhora. É legal e justo que o magistrado acresça as vincendas já no despacho de citação pelo rito do art. 733 do CPC, evitando a artimanha do devedor, que por vezes é até aceita por eminentes julgadores da Segunda Instância (principalmente em liminares concedidas em Habeas Corpus e agravos). Não se pode deixar vingar o ditado de que “as dívidas velhas não devem ser pagas, e as novas devem ser levadas à velhice”, inclusive para que o juiz não seja instrumento da má fé de muitos devedores que pensam em ganhar tempo sem atinar para a grave responsabilidade da obrigação alimentar.

* Juiz de Direito Substituto na Comarca de Curitiba/PR
fonte:http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/38

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