quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Responsabilidade civil no direito de família: o amor tem preço?


Nesse sentido, também as palavras da advogada Cláudia Maria da Silva: "Não se trata, pois, de "dar preço ao amor" – como defendem os que resistem ao tema em foco - , tampouco de "compensar a dor" propriamente dita. Talvez o aspecto mais relevante seja alcançar a função punitiva e dissuasória da reparação dos danos, conscientizando o pai do gravame causado ao filho e sinalizando para ele, e outros que sua conduta deve ser cessada e evitada, por reprovável e grave.” 
( Descumprimento do Dever de Convivência Familiar e Indenização por Danos á Personalidade do Filho, in Revista Brasileira de Direito de Família, Ano VI, n° 25 – Ago-Set 2004)
No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos,



 porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral.
Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso.
No caso em análise, o magistrado de primeira instância alerta, verbis:
"De sua vez, indica o estudo social o sentimento de indignação do autor ante o tentame paterno de redução do pensionamento alimentício, estando a refletir, tal quadro circunstancial, propósito pecuniário incompatível às motivações psíquicas noticiadas na Inicial (fls. 74)
(...)
Tais elementos fático-probatórios conduzem à ilação pela qual o tormento experimentado pelo autor tem por nascedouro e vertedouro o traumático processo de separação judicial vivenciado por seus pais, inscrevendo-se o sentimento de angústia dentre os consectários de tal embate emocional, donde inviável inculpar-se exclusivamente o réu por todas as idiossincrasias pessoais supervenientes ao crepúsculo da paixão." (fls. 83)
Ainda outro questionamento deve ser enfrentado. O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso?
Quem sabe admitindo a indenização por abandono moral não estaremos enterrando em definitivo a possibilidade de um pai, seja no presente, seja perto da velhice, buscar o amparo do amor dos filhos, valendo transcrever trecho do conto "Para o aniversário de um pai muito ausente", a título de reflexão (Colocando o "I" no pingo... E Outras Idéias Jurídicas e Sociais, Jayme Vita Roso, RG Editores, 2005):
"O Corriere della Sera, famoso matutino italiano, na coluna de Paolo Mieli, que estampa cartas selecionadas dos leitores, de tempos em tempos alguma respondida por ele, no dia 15 de junho de 2002, publicou uma, escrita por uma senhora da cidade de Bari, com o título "Votos da filha, pelo aniversário do pai".
Narra Glória Smaldini, como se apresentou a remetente, e escreve: "Caro Mieli, hoje meu pai faz 67 anos. Separou-nos a vida e, no meu coração, vivo uma relação conflitual, porque me considero sua filha ´não aproveitada´. Aos três anos fui levada a um colégio interno, onde permaneci até a maioridade. Meu pai deixara minha mãe para tornar a se casar com uma senhora. Não conheço seus dois outros filhos, porque, no dizer dele, a segunda mulher ´não quer misturar as famílias´.
Faz 30 anos que nos relacionamos à distância, vemo-nos esporadicamente e presumo que isso ocorra sem que saiba a segunda mulher. Esperava que a velhice lhe trouxesse sabedoria e bom senso, dissipando antigos rancores. Hoje, aos 39 anos, encontro-me ainda a esperar. Como meu pai é leitor do Corriere, peço-lhe abrigar em suas páginas meus cumprimentos para meu pai que não aproveitei."
Por certo um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido, não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo nesse sentido já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo e dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil, conforme acima esclarecido.
Desta feita, como escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada.
Nesse contexto, inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 159 do Código Civil de 1916, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de indenização.
Diante do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para afastar a possibilidade de indenização nos casos de abandono moral.
RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 - MG (2005⁄0085464-3)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr. Presidente, estou inteiramente de acordo com o voto de V. Exa. Entendo que essa questão - embora dolorosa nas relações entre pais e filhos, marido e mulher, nas relações de família em geral - resolve-se no campo do Direito de Família, exclusivamente. No caso, existe previsão no art. 384, inciso I, quanto à obrigação dos pais de dirigir a criação e a educação dos filhos e tê-los em sua guarda e companhia. Mas os arts. 394 e 395 prevêem exatamente a situação em que, não cumprindo os pais essa obrigação, poderá ocorrer a perda do pátrio poder a pedido do Ministério Público ou de algum parente.
Diz o art. 395:
" Perderá, por ato judicial, o pátrio poder o pai ou mãe que deixar o filho ao abandono."
Não me parece que isso tenha sido requerido nem pelo Ministério Público nem por algum parente, notadamente a mãe, em nome de quem ele estava sob a guarda direta, porque, aparentemente, o pai se ausentou.
Na hipótese de perda do pátrio poder, a tutela é dada em substituição, nos termos do art. 406, I, também do Código Civil anterior. Parece-me, pois, que não é hipótese de ato ilícito. Não é dessa forma que se enfrentaria tal situação. A legislação de família prevê institutos específicos, inclusive em relação às necessidades do filho na lei de alimentos. Aqui, ressalto, foram prestados os alimentos.
Com essas considerações apenas adicionais, acompanho o voto de V. Exa. no sentido de conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento para julgar improcedente a ação.
RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 - MG (2005⁄0085464-3)
VOTO-VENCIDO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO:
Sr. Presidente, rogo vênia para dissentir do entendimento manifestado por V. Exa. e pelos eminentes Ministros Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzini.
O Tribunal de Alçada de Minas Gerais condenou o réu a pagar 44 mil reais por entender configurado nos autos o dano sofrido pelo autor em sua dignidade, bem como por reconhecer a conduta ilícita do genitor ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e afeto com o filho, deixando assim de preservar os laços da paternidade. Esses fatos são incontroversos. Penso que daí decorre uma conduta ilícita da parte do genitor que, ao lado do dever de assistência material, tem o dever de dar assistência moral ao filho, de conviver com ele, de acompanhá-lo e de dar-lhe o necessário afeto.
Como se sabe, na norma do art. 159 do Código Civil de 1916, está subentendido o prejuízo de cunho moral, que agora está explícito no Código novo. Leio o art. 186:
"Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Creio que é essa a hipótese dos autos. Haveria, sim, uma excludente de responsabilidade se o réu, no caso o progenitor, demonstrasse a ocorrência de força maior, o que me parece não ter sequer sido cogitado no acórdão recorrido. De maneira que, no caso, ocorreram a conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade. O dano resta evidenciado com o sofrimento, com a dor, com o abalo psíquico sofrido pelo autor durante todo esse tempo.
Considero, pois, ser devida a indenização por dano moral no caso, sem cogitar de, eventualmente, ajustar ou não o quantum devido, porque me parece que esse aspecto não é objeto do recurso.
Penso também, que a destituição do poder familiar, que é uma sanção do Direito de Família, não interfere na indenização por dano moral, ou seja, a indenização é devida além dessa outra sanção prevista não só no Estatuto da Criança e do Adolescente, como também no Código Civil anterior e no atual.
Por essas razões, rogando vênia mais uma vez, não conheço do recurso especial.
RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 - MG (2005⁄0085464-3)
 VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, é certo que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais pontificou que o recorrido teria sofrido em virtude do abandono paterno; são fatos que não podem ser desconstituídos. E é justamente com base nesses fatos que aprecio o que está ora posto. Penso que o Direito de Família tem princípios próprios que não podem receber influências de outros princípios que são atinentes exclusivamente ou – no mínimo – mais fortemente - a outras ramificações do Direito. Esses princípios do Direito de Família não permitem que as relações familiares, sobretudo aquelas atinentes a pai e filho, mesmo aquelas referentes a patrimônio, a bens e responsabilidades materiais, a ressarcimento, a tudo quanto disser respeito a pecúnia, sejam disciplinadas pelos princípios próprios do Direito das Obrigações. Destarte, tudo quanto disser respeito às relações patrimoniais e aos efeitos patrimoniais das relações existentes entre parentes e entre os cônjuges só podem ser analisadas e apreciadas à luz do que está posto no próprio Direito de Família. Essa compreensão decorre da importância que tem a família, que é alçada à elevada proteção constitucional como nenhuma outra entidade vem a receber, dada a importância que tem a família na formação do próprio Estado. Os seus valores são e devem receber proteção muito além da que o Direito oferece a qualquer bem material. Por isso é que, por mais sofrida que tenha sido a dor suportada pelo filho, por mais reprovável que possa ser o abandono praticado pelo pai – o que, diga-se de passagem, o caso não configura - a repercussão que o pai possa vir a sofrer, na área do Direito Civil, no campo material, há de ser unicamente referente a alimentos; e, no campo extrapatrimonial, a destituição do pátrio poder, no máximo isso. Com a devida vênia, não posso, até repudio essa tentativa, querer quantificar o preço do amor. Ao ser permitido isso, com o devido respeito, iremos estabelecer gradações para cada gesto que pudesse importar em desamor: se abandono por uma semana, o valor da indenização seria "x";  se abandono por um mês, o valor da indenização seria "y", e assim por diante. Com esses fundamentos, e acostando-me  ao que foi posto pelo eminente Ministro Fernando Gonçalves, Relator deste feito, e pelos Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzinni, peço vênia ao eminente Sr. Ministro Barros Monteiro para conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento.

Notas:
[1] RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA. Palestra proferida em Manaus, no Seminário “A VISÃO JURÍDICA DA FAMÍLIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA”, dia 24 de setembro de 2004, realizado pela ABMCJ/AM – Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica, Seção Amazonas.
[2] Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Os contornos jurídicos da responsabilidade  afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. São Paulo, 2005.
[3] Tribunal de Alçada de Minas Gerais, 7ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível 408.555-5. Decisão de 01/04/2004. Relator Unias Silva.
[4]  Idem, ibidem.
[5] Resp. Nº 757.411/MG. Decisão de 29/11/2005.
[6] Flávio Tartuce. Novos princípios do Direito de Família brasileiro, 2006
[7] Idem, ibidem.

fonte: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11573

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